Olá! Meu nome é Thiago e, como Fisioterapeuta, trabalho há muito tempo com dor lombar. Ao longo da minha carreira, acabei escutando muitas crenças e mitos de pacientes, mas também inverdades e informações erradas que eles receberam de outros lugares. Infelizmente, esse tipo de informação incorreta pode causar um mal muito grande, gerando medo e comportamentos que pioram a dor.
Por isso, decidi compilar aqui os cinco mitos mais comuns e importantes que todo mundo deveria saber sobre dor lombar, na minha visão. Este é um guia fundamental para você, sua família, seus amigos e até mesmo para orientar outros profissionais sobre o que a ciência da Fisioterapia realmente diz sobre essa condição tão comum.
Mito 1: O exame de imagem sempre explica a Dor
Fato: Não há correlação, na maioria das vezes, entre um exame radiológico e o sintoma de dor.
- Achados Normais e Assintomáticos: Se pegarmos um grupo de 100 pessoas assintomáticas, boa parte delas apresentará alterações estruturais em exames de imagem – inclusive alterações consideradas “graves”, como hérnias discais ou compressões neurológicas. Quase nenhuma delas sentirá dor.
- A Inversão do Paradigma: Você encontrará pessoas “morrendo de dor”, travadas, com exames radiológicos normais, e o contrário é ainda mais comum: pessoas com exames “horríveis” e totalmente assintomáticas.
- Diretrizes Clínicas: A Diretriz de Prática Clínica do Comitê Americano de Radiologia para dor lombar não recomenda o uso de exames radiológicos para tomar decisão clínica, a não ser que o paciente apresente “bandeiras vermelhas” (sinais de alerta), como:
- Perda de peso inexplicável.
- Suspeita de infecção.
- Compressão neurológica com repercussão clincia como parestesia, perda de força ou perda do controle esfincteriano.
- Risco da “Nocebo”: Mostrar modelos anatômicos da coluna ou focar demais nos achados do exame pode gerar medo e nocebo (um efeito negativo causado por uma informação que gera apreensão, o oposto do placebo).
Mito 2: Achados degenerativos (bico de papagaio, desidratação discal) causam a Dor
Fato: Muitos achados em exames são parte do processo natural de envelhecimento e não são a causa da sua dor, tendo um impacto clínico geralmente nulo.
- Desidratação Discal e Diminuição de Espaço: A saída dos nervos da coluna vertebral é póstero-lateral. A altura do disco não impacta significativamente a saída do nervo na maioria dos casos. No forame (buraquinho por onde o nervo passa), cabe em média quatro nervos. Mesmo que o disco diminua, o nervo não será “esmagado” como muitos pensam.
- Bico de Papagaio (Osteófito): Os osteófitos surgem nas bordas anterior e lateral do disco vertebral. O nervo está localizado na região póstero-lateral. Por isso, osteófitos nessas regiões não têm como pinçar o nervo e seu impacto na dor é geralmente igual a zero. Eles indicam apenas que você está envelhecendo e seu corpo busca um pouco mais de estabilidade.
Mito 3: É preciso se preocupar excessivamente com a postura e contração do “Core”
Fato: A coluna é uma estrutura forte e feita para o movimento; focar demais na postura pode ser prejudicial.
- Coluna Forte, Não Frágil: O fato da medula espinhal estar dentro da coluna não a torna delicada. Muito pelo contrário, ela é sustentada por músculos fortes (motores primários e estabilizadores) feitos para o movimento.
- Postura é Superestimada: Você não deveria se preocupar muito com a sua postura, a não ser que tenha uma deformidade grave (como uma escoliose de 30-50 graus). Ficar “avisando” as pessoas para melhorar a postura, contrair a barriga ou mexer o core não traz benefícios e, pior, pode levar à hipervigilância, o que pode até piorar os sintomas.
- Contrair o Core Não é Solução Diária: O pior que um profissional pode fazer é pedir para o paciente andar com a barriga contraída (os músculos do core). Nossos músculos não foram feitos para estarem contraídos o tempo todo. Eles foram feitos para se movimentar livremente e contrair quando for necessário, sem um comando voluntário constante em atividades simples do dia a dia.
Mito 4: Hérnia de disco precisa de cirurgia ou intervenções Invasivas
Fato: A grande maioria dos pacientes descobre a hérnia de disco em exames de imagem desnecessários, e seus sintomas não estão relacionados a essa alteração. A maioria esmagadora dos pacientes não precisa de cirurgia.
- O Achado Não é a Causa: A grande maioria dos pacientes descobre que tem hérnia por fazer um exame de imagem (que não era necessário), e os seus sintomas não estão relacionados com essa alteração.
- A Maioria Não Precisa: A maioria esmagadora dos pacientes com dor lombar, incluindo aqueles com hérnia, jamais precisará de cirurgia. Muitas cirurgias são mal indicadas, caras, invasivas e não resolvem o problema.
- O Risco da Iatrogenia: No Brasil e no mundo, a dor lombar é recheada de iatrogenia – uma cascata de procedimentos e exames desnecessários que causam mais dano (nocebo) do que benefício.
- Busque Segunda Opinião: Se alguém indicar uma cirurgia, busque sempre uma segunda opinião. Sempre pergunte: “Existe uma opção não invasiva que possa me ajudar que não seja essa?”
Mito 5: Dor lombar aguda é um sinal de problema grave e vai ficar crônica
Fato: A dor lombar aguda tem um excelente prognóstico, e a causa da dor é inespecífica na maioria dos casos.
- Dor Aguda Tem Ótimo Prognóstico: Cerca de 70% a 80% dos pacientes que têm um ataque agudo de dor lombar estarão sem sintomas em até seis semanas. É por isso que muitos procedimentos parecem funcionar: o prognóstico da dor lombar aguda é muito bom.
- O Foco na Cronicidade: Cerca de 30% da população com dor lombar pode cronificar (dor por mais de 12 semanas). Mesmo esses pacientes crônicos conseguem ter uma vida razoavelmente normal. Eles não devem ser desencorajados a trabalhar, pegar peso ou fazer exercícios.
- Causa Inespecífica: Cerca de 90% das dores lombares são inespecíficas, ou seja, não sabemos a causa exata. Fazer uma investigação “forte” com múltiplos exames é, na maioria das vezes, desnecessário e só deve ser feito para descartar doenças graves (fratura após trauma, tumor, tuberculose óssea, etc.).
O Caminho para a Melhora: Exercício e Estilo de Vida
- O Ator Principal é o Exercício: O tratamento principal (e mais baseado em evidências) para a dor lombar é o exercício terapêutico, e quem o prescreve é o fisioterapeuta.
- Tipos de Exercício: Na média, a maioria dos tratamentos baseados em exercício (RPG, Pilates, Musculação, etc.) tem o mesmo tamanho de efeito. O mais importante é fazer o que você gosta e o que é tolerável dentro das suas limitações de dor.
- O Foco do Fisioterapeuta: O tratamento deve ser individualizado:
- Se o paciente tem problema de mobilidade, trabalhe a mobilidade da coluna.
- Se o paciente é fraco, trabalhe o ganho de força. (Não é força de musculação para atleta, mas sim a capacidade para as atividades diárias).
- Se não tem condicionamento físico (capacidade mitocondrial), trabalhe o condicionamento.
- Estilo de Vida: A dor lombar está intimamente ligada ao estilo de vida:
- Priorize: Dormir bem, comer bem, manter um peso saudável, parar de fumar/vape e praticar o exercício físico que você gosta.
Lembre-se: Procure profissionais qualificados que entendam e apliquem a Fisioterapia baseada em evidências, focada em educação e exercício, em vez de assustar com anatomia e exames.