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Zonas de treinamento

Você abre seu aplicativo de treino, consulta sua planilha de corrida e encontra a seguinte instrução:

Correr por 4km – Zona de Intensidade 3 – Moderado

Tudo bem, o treinador já lhe explicou como identificar as zonas de treino a partir da percepção de esforço, dificuldade para respirar, frequência cardíaca, velocidade ou pace. Mas, o que está acontecendo no seu corpo quando corre em cada uma destas zonas? Mais importante: por que você está treinando nestas intensidades?

Antes de começar a responder estas questões, é preciso entender a dinâmica do famoso (e injustamente temido) LACTATO. Chamamos de Rotas Metabólicas as sequências de reações químicas que produzem energia para o organismo. Existem dois grandes grupos, as rotas metabólicas aeróbias (do grego AERO, “ar” + BIOS “vida”, vida que precisa de ar), aquelas que utilizam o oxigênio em seus processos, e as rotas metabólicas anaeróbias (prefixo AN, “negação” + do grego AERO, “ar” + BIOS “vida”, vida que não precisa de ar), aquelas que acontecem sem a presença do oxigênio, entre elas, a glicólise anaeróbia, que tem entre seus metabólitos o ácido lático. Este ácido é rapidamente convertido em lactato, molécula cuja concentração sanguínea é um indicador de acidose nos músculos, estado onde os líquidos presentes no mesmo se tornam mais ácidos e deixam as reações químicas, e consequentemente a produção de energia, mais lentas, resultando em fadiga. Esta acidose é revertida, entre outras coisas, pelo metabolismo aeróbio do lactato, resultando em gás carbônico (CO2), responsável pela sensação de falta de ar do exercício muito intenso e eliminado na respiração (por isto ficamos ofegantes nestas condições).

Resumindo, conforme a produção de lactato aumenta acima da capacidade do corpo eliminá-lo, o indivíduo entra em estado de fadiga, afetando negativamente sua performance e deixando-o mais exposto a lesões. Entretanto, em uma sessão de treino é planejada a dose de estímulo e exposição à fadiga para obter o maior ganho de desempenho com o mínimo de risco possível, sendo este controle a grande diferença entre exercício físico e atividade física. De posse destas informações, vamos destrinchar e entender melhor cada uma das zonas de treino que utilizamos no F Run, o clube de corrida da Fortius.

 

MUITO LEVE – Rotas metabólicas aeróbias atuando quase sem estresse. Para pessoas saudáveis, fisiologicamente, este nível de esforço difere pouco do estado de repouso. O trabalho nesta intensidade costuma visar a recuperação após um esforço maior prévio ou aquecimento para um exercício de baixa intensidade posterior, aumentando a circulação sanguínea e facilitando o movimento articular.

 

LEVE – Produção irrisória de lactato e estresse baixo das rotas metabólicas aeróbias. Virtualmente, do ponto de vista de produção de energia, o esforço pode ser sustentado indefinidamente, sendo outros os fatores responsáveis pela fadiga (desidratação, estresse oxidativo, sobrecarga mecânica no sistema musculoesquelético, etc.). Treinar neste nível de intensidade tem o objetivo de habituar o corpo a manter um esforço por longos períodos. Utilizada como recuperação em trabalhos mais pesados, esta intensidade proporciona um aprimoramento na capacidade de remover metabólitos e restabelecer as reservas energéticas nos músculos.

 

MODERADO – Aumento discreto da produção de lactato, com sua concentração estabilizada, predominância das rotas metabólicas aeróbias próximas de suas capacidades máximas.  Esta é a intensidade do ritmo confortável sem ser leve, onde se costuma correr os treinos longos ou provas-treino. Esta zona de treino traz aprimoramentos importantes nas rotas metabólicas aeróbias no quesito produção de energia, tornando-as mais eficientes e predominantes em ritmos cada vez mais rápidos de corrida.

 

FORTE – Aumento da concentração estável de lactato, transição da predominância das rotas metabólicas de aeróbias para anaeróbias. Parte da fadiga deve-se ao acúmulo de lactato, tendo o esgotamento das reservas de glicogênio muscular um papel importante. Dentro desta intensidade, começamos a sentir o desconforto físico da concentração elevada de lactato, embora esta ainda se mantenha estável caso não se alterem as condições de treino (velocidade, inclinação, vento, etc.). Os benefícios do treino nesta intensidade são vistos na tolerância a longos períodos com lactato elevado, fazendo com que o corpo minimize seus efeitos, refletindo em aumento da performance. É nesta intensidade que se procura correr nas provas, sempre buscando manter a maior velocidade possível sem invadir a próxima zona de esforço.

 

MUITO FORTE– Acúmulo rápido e descompensado de lactato. Fatiga rápida devido ao acúmulo de metabólitos e depleção das reservas de glicogênio muscular caso o esforço se repita várias vezes em um curto espaço de tempo. A partir daqui, é impossível realizar um treino contínuo, pois, mesmo que não se alterem as condições, o lactato continua subindo até inviabilizar o exercício. Treinar nesta intensidade torna o corpo tolerante a concentrações cada vez maiores de lactato, proporcionando a manutenção de picos mais longos de esforço durante uma prova sem maiores consequências na capacidade de completá-la (como ao enfrentar uma subida, mudança na direção do vento ou fazer um sprint final mais longo para baixar alguns segundos no tempo). Em associação com intervalos ativos (descansar correndo), aumenta a capacidade de remoção do lactato, enquanto que, associado com intervalos passivos (descansar parado), aumenta a tolerância a suas altas concentrações.

 

Máximo – Acúmulo muito rápido e descompensado de lactato. Fatiga muito rápida devido ao acúmulo rápido e alto de metabólitos, causando acidose metabólica. Em geral, esta intensidade é buscada quando se quer ganhar velocidade para um eventual sprint ou fuga/perseguição de pelotão. Mais presente no planejamento para distâncias mais curtas (abaixo dos 10k) e mais esporádico para provas mais longas. 

 

Agora, da próxima vez que ver aquele longão de 30km ou treino com 8 tiros de 400m, você está ciente dos porquês de cada exercício e pode compreender melhor o que seu treinador está buscando aprimorar. Claro que a totalidade dos eventos e relações fisiológicas envolvidas no exercício não cabe em um único artigo, mas com as informações disponibilizadas aqui, já é possível compreender melhor seu treino, sabendo o que esperar e sentir em cada sessão e dar feedbacks mais específicos ao treinador, que fará as adaptações necessárias para atingir seus objetivos.

Falando em objetivos, o F Run, clube de corrida da Fortius, tem uma equipe multidisciplinar para fazer com que você corra, corra melhor e corra por mais tempo.

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João Monassa

João Monassa

Profissional de Educação Física formado pela ULBRA Canoas em 2009 e especialista em Fisiologia do Exercício (Universidade Gama Filho, 2013). Sou personal trainer, atendendo um público bastante diverso. Também desenvolvi trabalhos em academias de musculação, saúde do trabalho e esporte de rendimento. Atuo na Clínica Fortius como treinador do F Run, o clube de corrida da Fortius, e preparador físico.
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